
A vida, muitas vezes, nos engana de maneira sutil. Nem sempre o que vemos é a realidade. Às vezes, o coração se adianta e cria histórias que não têm fundamento. É como se nossa visão fosse turva e as lentes que usamos não corrigissem a verdade, apenas deixassem mais confortável a ilusão que inventamos. Essa “miopia” não é apenas física, é também emocional. Ela distorce o que está diante de nós, transformando gestos comuns em sinais de afeto, palavras vazias em promessas, presenças ocasionais em companhia eterna.
Quantas vezes acreditamos que havia amor, quando na verdade havia apenas interesse, conveniência ou um simples passatempo para a outra pessoa? A miopia do coração não nos deixa enxergar o frio que se esconde por trás de sorrisos calculados. E quando acreditamos demais nessa imagem borrada, acabamos nos entregando, abrindo portas e janelas, deixando a alma exposta para alguém que nunca teve intenção de entrar de verdade.
É doloroso perceber que aquilo que parecia tão intenso era apenas reflexo de nossas próprias expectativas. Criamos um amor sozinho e o vestimos com a presença do outro. É como ver uma figura distante e acreditar que é alguém querido, mas, ao se aproximar, perceber que era apenas um desconhecido. No campo emocional, isso machuca ainda mais, pois o tempo gasto e o sentimento investido não voltam.
Aprender a distinguir o que é real do que é apenas fruto da nossa carência é uma lição dura. Ela exige coragem para encarar que nem todo gesto gentil é prova de afeto, que nem todo toque é carinho e que nem toda companhia é presença verdadeira. O mundo está cheio de relações que parecem amor, mas são apenas distrações passageiras. E a verdade, por mais que doa, é que enxergar isso cedo nos poupa feridas maiores.
O amor de verdade não se esconde, não confunde, não nos deixa implorando por migalhas. Ele é claro, direto e constante. Ele não é um borrão que tentamos decifrar, mas um retrato nítido que reconhecemos de longe. Quando entendemos isso, começamos a limpar as lentes da nossa visão emocional. Passamos a ver as pessoas pelo que elas são, e não pelo que gostaríamos que fossem.
A miopia, tanto a dos olhos quanto a do coração, pode ser corrigida. Mas para isso, é preciso aceitar que estávamos enganados. É preciso força para admitir que o que sentimos não foi correspondido, que a reciprocidade não existiu e que insistir apenas prolongaria o engano. Não há vergonha em ter amado sozinho; a vergonha está em continuar se enganando depois de perceber a verdade.
No fim, o que resta é a lição: ver com clareza é mais importante do que sentir com intensidade. Porque só com visão limpa conseguimos encontrar o amor onde ele realmente existe — e deixar para trás as ilusões que a maldita miopia nos fez acreditar.