
Tem uma frase que escuto muito por aí: “No fundo, ele é uma boa pessoa.” E toda vez que ouço isso, fico pensando… e no raso? Porque, sinceramente, o fundo não serve de muita coisa quando a gente vive é na superfície. A vida acontece no dia a dia, nos gestos simples, nas palavras que dizemos sem pensar, nas atitudes pequenas que revelam quem somos. E se alguém só é bom “lá no fundo”, mas na prática machuca, engana, maltrata ou simplesmente não se importa, de que adianta?
Eu aprendi, com o tempo, que a gente precisa parar de procurar petróleo nas pessoas. Não adianta ficar cavando fundo, tentando achar algum ouro escondido num coração que, na vida real, só joga pedra. A bondade de verdade aparece no olhar, na fala, no jeito de tratar os outros no trânsito, na fila do mercado, em casa, no trabalho. É no raso que a verdade mora. É ali que a gente enxerga quem realmente é bom – ou quem apenas disfarça bem.
A gente cresce ouvindo que todo mundo tem um lado bom. Que devemos dar chances, tentar entender, ser empáticos. E sim, isso é bonito. Mas também pode ser perigoso. Porque tem gente que usa essa desculpa do “lado bom escondido” pra continuar sendo ruim à vontade. E a gente, achando que está sendo compreensivo, vai deixando passar. Vai aceitando grosseria, mentira, egoísmo. Vai perdoando o que não tem mais desculpa. Vai se machucando em nome de um “fundo” que nem sabemos se existe mesmo.
Tem gente que é boa só quando quer algo. Quando precisa. Quando está por baixo. Mas na convivência, quando ninguém está olhando, mostra a verdadeira cara. E aí, a tal bondade some. Fica só no discurso bonito, na máscara que cai assim que a situação aperta. Por isso eu digo: ser bom no raso é o que importa. Ser bom quando ninguém está vendo. Ser gentil sem esperar retorno. Ser honesto mesmo quando dar um jeitinho parece mais fácil.
A gente precisa parar de romantizar a maldade dos outros. Parar de dizer que alguém é “difícil porque sofreu muito”. Todo mundo sofre. Mas nem todo mundo escolhe machucar o outro por causa disso. Tem gente que usa a dor como desculpa pra fazer o mal, enquanto outros usam essa mesma dor pra fazer o bem. A diferença está na escolha. E escolha, meu amigo, mostra quem você é – não no fundo, mas no claro, no raso, onde todo mundo pode ver.
Muita gente boa de verdade está por aí, sendo ignorada, porque não sabe fingir, não sabe enganar. Gente que é simples, que fala o que pensa com respeito, que ajuda sem precisar de aplausos. Essas pessoas, sim, merecem espaço. Merecem carinho. Merecem ser notadas. Mas muitas vezes são deixadas de lado, enquanto os “bonzinhos de fundo escuro” seguem sendo admirados por uma bondade que só aparece quando convém.
Então, se tem uma coisa que eu posso te dizer hoje, com toda certeza, é isso: pare de cavar fundo. Pare de tentar justificar o injustificável. Preste atenção no que a pessoa mostra de imediato, nas atitudes mais comuns. Porque quem é bom de verdade, é bom logo de cara. É bom no raso. É bom na simplicidade. É bom sem precisar de explicação. E isso vale mais que qualquer promessa de que, “lá no fundo”, talvez exista algo melhor.
Seja você essa pessoa. Não esconda sua bondade esperando momentos certos pra mostrar. Seja bom agora. Seja bom no pouco. Porque no final, é isso que fica. É isso que muda o mundo ao redor. E é isso que faz da vida algo mais leve, mais justo e mais verdadeiro. Ser bom no raso não é pouco. É tudo.